Os passageiros entediados dos sistemas de metrô e dos vôos entre grandes cidades dos Estados Unidos podem ter percebido - mais ou menos naquele momento em que começam a sentir aquele desejo ansioso de se reconectar à Internet -, uma série de anúncios que os encorajam a "desligar as máquinas, desconectar, tirar da tomada... e conversar em pessoa". A marca que tem a temeridade de nos aconselhar a deixar de lado nossas vidas completamente conectadas à rede? A goma de mascar Dentyne.
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A campanha, sob o título "converse em pessoa", foi criada pela McCann Erickson para a Dentyne, marca controlada pela Cadbury, segunda maior fabricante norte-americana de goma de mascar, depois da Wrigley. Os anúncios mostram pessoas felizes se abraçando e beijando - com hálitos supostamente refrescados por Dentyne -, em oposição a digitar em seus BlackBerry ou enviar mensagens eletrônicas aos amigos do Facebook. Os anúncios, que foram veiculados em diversas grandes cidades por cerca de um mês, estão agora sendo veiculados nacionalmente, com uma campanha na web e comerciais de televisão nesta semana.
A campanha servirá para o relançamento da linha Dentyne Ice, composta pelas gomas de mascar Dentyne Ice e Dentyne Fire, com produtos embalagens e nomes atualizados. O momento é crucial, porque as vendas da Dentyne Ice caíram em 9% e as da Dentyne Fire caíram em 26% de 2005 para cá, de acordo com o grupo de pesquisa de mercado Mintel.
Pessoas com menos de 20 anos são os consumidores mais ávidos de goma de mascar, diz o setor, e a campanha de Dentyne se relaciona de alguma forma à explosão de ferramentas digitais que ajudam as pessoas a se manterem conectadas, trocarem informações, fazerem contato. Mas também pretende levar os consumidores parar por um instante e questionar se toda essa comunicação online de fato os aproxima. "Todo mundo ama tecnologia e todo mundo a utiliza", disse Josette Barenholtz, diretora de marketing da Dentyne. "O que é importante é relembrar que o contato face a face não pode ser substituído".
A estratégia pode se provar um risco, já que os anúncios são dirigidos diretamente às pessoas que usam de maneira mais apaixonada as novas ferramentas digitais. "Acredito que a maior parte dos universitários vai desdenhar os anúncios", disse Zeynep Tufecki, socióloga na Universidade de Maryland, que estuda a maneira pela qual as pessoas utilizam a tecnologia com propósitos sociáveis. "De fato, elas visitam sites como esses na esperança de que todos os contatos resultem um dia em um beijo ou um abraço".
Os cartazes da campanha de Dentyne mostram fotos naturalistas, ocasionalmente provocantes, de pessoas em situações íntimas, trabalho de Ryan McGinley. Os textos foram tomados de empréstimo ao mundo real. Em uma das peças uma mulher inclina a cabeça para fora de um táxi de modo a que um homem possa beijá-la. "A mensagem instantânea original", diz o texto. Outra foto mostra dois amigos trocando um abraço apertado, e o texto diz "pedido de inclusão de amigo aceito". Em um terceiro, um jovem casal está deitado na grama, abraçado. "Enviar e receber", diz o texto.
Os anúncios em mídia impressa foram veiculados em pontos de alto tráfego e em outdoors em Nova York, San Francisco, Boston e Filadélfia, a partir da metade de agosto. Os comerciais de televisão, que começam a ser veiculados nacionalmente na segunda-feira, mostram imagens de pessoas jogando futebol, nadando juntas e se beijando.
No site da campanha, em www.makefacetime.com, a primeira tela traz um aviso de que o site se fechará em três minutos. "Quando as pessoas navegam pela web, perdem o melhor da vida: a companhia mútua", diz o texto. O site inclui um recurso chamado Face Time Finder, que usa o Google Maps para encontrar locais que permitam encontros pessoais.
A Câmara da Morte dos Smileys zomba dos "irritantes" emoticons que as pessoas usam para expressar humor ou tristeza em mensagens de e-mail, e os mostra sendo mortos em incêndios e esmagados por lutadores de sumô. Um concurso de ensaios solicita que os participantes escrevam sobre como os sites de redes sociais os levaram "a perder a conexão com as pessoas que mais importam".
A presença online da campanha era um desafio especial, disse Craig Markus, vice-presidente executivo e diretor executivo de criação da McCann Erickson, parte do McCann Worldgroup, uma subsidiária da Interpublic. "Existia um verdadeiro paradoxo porque queríamos ter uma presença online quando, espera lá, estamos aconselhando as pessoas a não usar a Internet", disse Markus. "Por isso desenvolvemos a idéia do site que se desativa em três minutos".
Tufecki disse que a idéia de que os sites de redes sociais e outras ferramentas digitais separaram as pessoas daqueles que mais importam em suas vidas não vai cair bem junto aos jovens consumidores do setor de gomas de mascar. "Eles estão propondo uma falsa dicotomia", diz a socióloga. As pessoas usam as ferramentas online como maneira de serem mais sociáveis, e manter seus conhecidos informados sobre o que estão fazendo, bem como para fazer planos de encontros pessoais. As pesquisas dela demonstram que as pessoas que empregam essas ferramentas têm o mesmo número de amigos offline, e dedicam tempo semelhante a eles, do que as pessoas que não empregam recursos sociais na Internet.
Barenholtz afirmou, porém, que os comerciais vêm obtendo reações positivas dos consumidores. Um deles contactou a empresa para perguntar se "nós exageramos demais com a pseudo-intimidade oferecida pelas hiperconexões e redes sociais? Dentyne, vocês podem ser a vanguarda de um fenômeno social emergente!" Além disso, disseram Barenholtz e Markus, os anúncios não são inimigos da tecnologia, mas sim lembretes de que existem outras formas de conexão.
A goma de mascar Dentyne foi inventada em 1899 pelo gerente de uma drogaria de Nova York, que combinou "dental" and "hygiene" para criar o nome. A Dentyne Ice chegou ao mercado em 1997. A versão nova, que chegará ao varejo quando a campanha for lançada, tem textura e sabor melhorados, disse Barenholtz. A palavra "Ice" não consta mais do nome, e a caixa foi redesenhada, com uma nova imagem de cubos de gelo. A Cadbury se recusou a revelar o orçamento da campanha, mas disse que era comparável ao do lançamento de um novo produto.
Tradução: Paulo Migliacci ME