Um garoto de 15 anos pede ao pai que compre um jogo de computador. Este jogo para ser utilizado, exige que algumas regras sejam conhecidas, todas elas contidas no manual. O garoto não realiza esta leitura. Entra sem a mínima preparação na prática do próprio jogo. Na atmosfera do jogo, ele se lança primeiro para conhecer: personagens, ambientes, ações, ferramentas, busca em todo o sistema oferecido uma lógica, a lógica das relações de todos os objetos componentes do sistema: a lógica que ele enxerga e entende e sob a qual está submetido no mundo real. Coisas do mesmo tamanho devem ter mesma força. Um ser vivo não pode ficar por muito tempo debaixo d´água sem respirar. Com raríssimas exceções, um tiro mata. E assim sucessivamente.
Enfim, ele não perde tempo analisando muito o ambiente. Parte logo para a ação. Como todo jovem, começa subestimando o jogo - não poderia ser por menos, subestima antes de qualquer coisa, a própria vida, o mundo inteiro. Para ele, o jogo é fácil, com o pouco que já sabe, poderá vencer. Tenta inúmeras vezes e é derrotado. Percebe que apenas o senso comum do mundo real em que vive, não basta.
Começa então seu dilema: porque eu não ganho? O que me impede de vencer? Neste momento, ele se vê tentado a buscar o manual e aprender a jogar. Parece lógico que basta tomar conhecimento de como as coisas funcionam naquele universo virtual. Mas não o faz. Ele resiste a simples leitura do manual e volta para o jogo. Mas desta vez, volta para vencer.
Agora, já está ciente de como é necessário conhecer melhor o novo mundo que se apresenta, o universo virtual, e erguer a partir da sua própria experiência ali, um novo alicerce de conhecimentos, uma nova proposta de senso comum. Passa a observar o ambiente novamente. Estabelece estratégias de tentativa e erro, investindo sempre de forma acentuada em uma ou outra variável, busca seus limites mínimos e máximos, atinge estados de equilíbrio nos quais percebe ter maior domínio sobre toda a lógica fugidia do jogo.
Escolhe a maior arma, a que lhe exige menos pontaria, e sai atirando o tempo inteiro, acaba morrendo com o próprio tiro quando contra a parede e muito próximo a ele, ou ao contrário, armas maiores exigem balas maiores e em menor número, suas balas acabam e é alvejado por uma faca do jogador adversário. Nem a faca, nem o foguete. Escolhe uma metralhadora. Avança e sobrevive por mais tempo. Seu tempo de sobrevivência no jogo torna-se seu referencial de sucesso temporário, o objetivo principal do jogo, a missão de seu personagem agora, é secundária.
Quando menos espera, meio que de surpresa, atinge o primeiro objetivo, vence a primeira fase. Está habilitado para conhecer a segunda fase, percorrendo todo o caminho novamente, mas desta vez, com variáveis diferentes, outros ambientes, novas ferramentas e personagens. A lógica se amplifica, elevando o seu nível de complexidade, mas permanece a mesma para todas as fases. E seu objetivo no jogo não é mais o objetivo do jogo: sobreviver ali é sinônimo de vencer, visto que cedo ou tarde, os ambientes vão sendo conduzidos para o mesmo lugar, no sentido de atingir o objetivo do jogo (qualquer analogia deste modelo lógico de funcionamento com o que chamamos de destino não é mera coincidência).
Sem o suporte da leitura do manual, apenas fazendo uso do ambiente virtual, o garoto aprende a jogar. Seu aprendizado não se dá de forma simples e fácil, sem o seu envolvimento integral, sem errar e morrer repetidas vezes, sem perder horas jogando ele jamais conseguiria sobreviver e vencer. Mais que simplesmente tomar conhecimento do jogo, ele participa de atividades, confere as habilidades que adquire in loco e é avaliado imediatamente, pois não há neste caso, outro significado para sua morte virtual.
Pensar em educação para o futuro (o que sinceramente não preocupa se será a distância ou não), é pensar em como podemos fazer uso destes ambientes virtuais para desenvolver a nossa curiosidade ingênua, buscando transformá-la em curiosidade epistemológica, superação que se dá na medida em que a curiosidade ingênua, sem deixar de ser curiosidade, se criticiza e ao criticizar-se, metodicamente rigorizando-se na sua aproximação ao objeto, conota seus achados de maior exatidão. A curiosidade muda de qualidade, mas não de essência, pois é acima de tudo, a mesma sede de saber que compete a todos nós quando frente a qualquer problema de nossas vidas. Provocar a sede de conhecer sem limites, sem falar em saciedade ou do que é ou não é suficiente, é este o sonho dos educadores críticos e de todo o processo educacional, e não poderia ser diferente um sonho também de Paulo Freire, um dos maiores pedagogos da humanidade em todos os tempos, autor da obra "A pedagogia da autonomia", origem das idéias e da análise crítica desenvolvida neste parágrafo.
Está no cerne de toda esta discussão, entender antes e acima de tudo, o que é fazer educação, que curiosidade é esta que inquieta e move este garoto e que é a mesma curiosidade que move e inquieta todos nós, como auxiliar sua superação e transformação nesta curiosidade maior, mais crítica e humana, epistemológica. A educação para o futuro é sem dúvida a mesma educação que deveria ter sido feita para o passado, seja ela presencial ou a distância, real ou virtual, pelo computador ou pelos livros. Não há diferença, há talvez, uma mudança de qualidade, uma superação, mas com uma essência que se mantém.
Enfim, quero concluir este texto propondo uma simples reflexão, que para mim, justifica o uso cada vez mais acentuado das novas tecnologias para a educação: jogar com a vida a uns dez, vinte anos atrás, também ensinava, mas ensinava os outros aquilo que não deveria ser feito, porque aquele que era o ator do processo não escapava da morte. Jogar com a vida hoje é apenas mais uma fantasia que as novas tecnologias permitem, e de uma coisa podemos estar certos: ao menos da morte real, estaremos todos salvos por enquanto, e, de quebra, podemos até aprender alguma coisa.